Em uma entrevista ao programa Roda Viva, em 2017, o psicanalista Contardo Calligaris disse que o que tornava sua vida interessante era ser colunista semanal da Folha de São Paulo. Não pelo ofício em si, mas por ser obrigado a ter algo em sua semana que mereça ser contado. Isso inclui um livro, um filme, uma ida ao teatro ou uma lida no jornal.
Ora, ora, temos mais em comum com Calligaris do que imaginávamos.
É muito difícil lidar com prazos, principalmente com tarefas que envolvam a nossa criatividade. Até porque ser criativo parece algo repentino, fugaz, que nos toma de assalto e depois se esvai, quando vê, acabou. Só no próximo sopro de generosidade do universo.
Antes de elaborar essa reflexão, fiz uma pesquisa – com pouco rigor metodológico, confesso – do que se diz sobre criatividade. O termo de busca que utilizei foi “como ser criativo?”
Nos textos, vídeos e comentários a respeito do tema, havia uma padronização, quase uma coordenação na forma de falar sobre criatividade, ou seja, quem ensina “como ser criativo”, não é criativo na forma de apresentar os caminhos.
Você até pode achar a mesma coisa sobre esses mais de mil caracteres que te fizeram chegar até aqui. Contudo, defendo-me alertando que não prometi ensinar como ser criativo.
Nesta semana, terminei de ler “O ato criativo: uma forma de ser” do produtor musical Rick Rubin. Para quem não o conhece, Rubin produziu artistas como Johnny Cash, Red Hot Chili Peppers (a música indicada no começo é uma produção dele), System of a Down, Audioslave, Shakira, Justin Timberlake, Eminem, Ed Sheeran, só para citar alguns.
No livro, o produtor tenta explicar como a criatividade pode ser vista como uma forma de percepção. Nossos sentidos são expostos a aromas, cores, sons, texturas. O desafio é transformar isso em cognição.
Há estímulo para a criatividade?
Sim. Adquira repertório. Pode ser por obrigação rotineira – não que isso seja ruim –, tal qual Calliagris comentou no Roda Viva, mas é desejável que seja por fruição. Rubin defende que analisar algo que te causa alguma sensação é secundário. Se algo parece interessante, primeiro viva essa experiência, só depois tente entendê-la.
Repertório nos ajuda, em um primeiro momento, a identificar padrões. É como um álbum de figurinhas. Quando adquirimos o primeiro pacote, as figuras são todas novas, quando o álbum está com poucos espaços vazios, abrimos o pacote e prontamente identificamos o que já temos repetido e o que nos falta.
Tal qual nos álbuns, a vida apresenta repertórios mais fáceis de adquirir, e por vezes eles se repetem, enquanto o repertório mais raro demora mais tempo para encontrar e colar as figuras nesse nosso álbum da criatividade.
Criatividade é subjetiva
Eu tento sempre ter muito cuidado para não desgastar o termo “subjetividade”, até porque seu antônimo, a “objetividade remete” a uma percepção positivista de uma análise neutra dos objetos. Eu respeitosamente descarto esse enquadramento.
Voltando a nossa discussão, a criatividade como ideal remete à criação de algo novo. A partir de nossa noção de “mundo já descoberto”, essa criação provavelmente será desenvolvida com a conjugação de objetos já existentes. Lembra da música do Toquinho? “Numa folha qualquer/ Eu desenho um Sol amarelo/ E, com cinco ou seis retas/ É fácil fazer um castelo”.
Criatividade dá muito trabalho
— Terminei de assistir 4 filmes nesta semana, li dois livros, agora vou escrever a maior epopeia da terra
Não é exagero, tem gente que pensa exatamente assim. Ainda se chateia quando a criatividade “não acontece”.
Não há segredo, exerça o ofício em que sua criatividade será materializada. Por exemplo: para escrevermos textos criativos precisamos ir além de consumir materiais escritos; mas, essencialmente, precisamos exercitar nossa escrita como técnica. É como querer tocar violão apenas ouvindo violonistas.
Exercício é consistência, então não tem para onde correr. Quero deixar vocês tranquilos, a gente sempre pode delegar nossa criatividade para alguma Inteligência Artificial. Nesse caso, aceitamos nossa incapacidade.
Somos poucos criativos
O PISA é um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que avalia estudantes de 15 anos na matemática, ciências, leituras e na criatividade.
Entre os 56 países avaliados, o Brasil ficou em 44°, com 23 de média em uma escala de 0 a 60. A média da OCDE é de 33 pontos. Dos estudantes brasileiros, apenas 10,3% tiveram nível de desempenho elevado, por outro lado, 54,3% não atingiram o mínimo.
Criatividade é importante para quem?
Talvez precisássemos de um livro com a mesma premissa de “Por que ler os clássicos” de Italo Calvino. Esse livro tomaria como norte uma das notas mais destacadas do escritor italiano: “A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos.”
Não gostaria de soar desanimador ao dizer que a criatividade é justificável como prática em si mesma, mas do ponto de vista pragmático, é sua própria finalidade que a sustenta.
Não vou fingir que não existe, a criatividade pode contribuir para fechar negócios e ganhar dinheiro, mas ainda considero o aporte financeiro e uma boa rede de contatos – famoso networking – fatores mais importantes.
Pra fechar
Seja criativo para você mesmo – que papinho de autoajuda –, sem a preocupação inicial que isso precise resolver sua vida profissional. A criatividade é possibilidade para termos uma vida mais leve e interessante, nos ajuda a apreciar caminhos que até então ignorávamos. Talvez você ganhe dinheiro com isso, talvez não. Garanto que você vai ganhar outras coisas, bem mais legais, tipo entender o que Djavan quis dizer com “Açaí/Guardiã/Zum de besouro/Um imã/Branca é a tez da manhã”.
A gente falou de repertório e acho importante que indique alguns materiais pra que você acrescente ao teu repertório:
, que destrava sua criatividade de forma muito leve e divertida.
, escritor, contador das histórias da vida e das experiências humanas.