Acredito que a maioria dos nossos caríssimos leitores deve ter tido mais de uma experiência profissional. Ainda assim, mesmo que não tenha, você vai conseguir me entender.
Toda vez que mudamos, nos adaptamos. Simples. Todavia, nessa troca – pode ser de setor, empresa, mercado – perdemos e ganhamos habilidades. Alguma técnica ou abordagem que servia antes, agora já não faz mais sentido. Assim é com nossa criatividade. Não é um impasse entre ser ou não ser criativo, mas uma conjunção entre demanda e ambiente — importante dizer que aqui, a criatividade é pensada de maneira ampliada, se nos limitar a processos criativos intrínsecos.
Imagina assim: não adianta você ser super criativo se a tarefa for mega engessada ou se o lugar onde você trabalha te botar pra baixo, sacou? A teoria “PTSI: A Person × Task × Situation Interaction Theory”, do professor do departamento de psicologia da Universidade de Cornell, New York, Robert J. Sternberg mostra como todas essas peças se juntam para colocar nossa criatividade para fora.
Vamos dar uma olhada em como “a pessoa”, “a tarefa” e “o ambiente” explicam nosso processo criativo.
A pessoa: tudo a ver com você
Aqui entra um monte de coisa que te faz ser criativo (ou não):
Sua personalidade: Sabe aquela sua vontade de fazer as coisas do seu jeito, de não ligar pra opinião dos outros? Ou aquela sua curiosidade que não te deixa em paz?. Por exemplo, um designer que insiste em explorar cores e formas diferentes, mesmo quando o cliente pede algo mais “seguro”, está mostrando uma necessidade de contrariedade e autonomia. Ou aquele copywriter que adora aprender sobre assuntos novos para criar um texto mais interessante, tá mostrando cognição. A teoria até pega umas ideias antigas do Murray (lá de 1938) pra mostrar como essas “vontades” básicas influenciam a criatividade.
Seu jeito de pensar: Não é a sua inteligência, mas sim como você prefere usar ela. Tem gente que adora inventar coisas novas, outros preferem seguir um manual, e tem aqueles que precisam ver o “quadro geral” antes de se aprofundar. Pra criatividade, geralmente quem gosta de pensar fora da caixa e ver as coisas de um jeito novo se dá melhor.
Suas atitudes: Para ser criativo, tem que estar disposto a arriscar um pouco, a não ter medo de errar e a acreditar no seu potencial. É tipo aquele criador de conteúdo que testa formatos diferentes no Instagram, mesmo sem saber se vai dar certo. Ou o designer que não desiste de uma ideia mesmo depois de várias tentativas frustradas.
Seus processos mentais: A criatividade acontece quando a gente pega as informações que tem na cabeça e começa a planejar, buscar soluções, comparar ideias. É como um músico que experimenta diferentes caminhos harmônicos até achar aquela que se encaixa melhor na música.
Seu conhecimento: Para criar algo, você precisa saber alguma coisa sobre o assunto, né?. Mas, às vezes, saber demais pode até atrapalhar, porque a gente fica preso nas ideias antigas. Tipo um roteirista que conhece todos os clichês de comédia romântica e tem dificuldade de pensar em algo realmente original.
A tarefa: o que você tem que fazer
O tipo de trabalho que você pega também influencia a criatividade:
Tarefas muito definidas, com regras claras de como fazer e qual o resultado esperado, deixam pouco espaço para a criatividade. Pensa num formulário que você só precisa preencher.
Já tarefas mais “soltas”, que te permitem definir o problema e achar o seu próprio jeito de resolver, incentivam a criatividade. Por exemplo, pedir para uma designer criar uma logo “do zero” dá muito mais liberdade do que pedir pra ela copiar, ou se basear estritamente, em uma logo existente.
Tarefas mais complexas geralmente abrem mais portas para soluções criativas. Criar um plano de marketing completo é mais complexo e permite mais criatividade do que criar um banner simples. E nesse caso, a experiência também conta muito.
Se a tarefa te interessa, se você vê sentido nela, a chance de ser criativo é maior.
Ter os recursos necessários (tempo, ferramentas, informação) também ajuda a criatividade a fluir. Tentar criar um roteiro para um vídeo sem informações suficientes para preencher o script é bem mais difícil.
Se o que conta como um bom resultado é algo amplo, e não muito específico, a criatividade também ganha espaço.
O ambiente: onde tudo acontece
O ambiente ao seu redor também faz toda a diferença:
O momento histórico em que você vive. As ideias criativas que bombaram nos anos 80 podem não ter o mesmo impacto hoje em dia.
A cultura e a sociedade onde você está inserido. Em lugares onde se valoriza a inovação, a criatividade tende a florescer mais. Mas em sociedades mais fechadas, vale mais a pena ser pragmático. É uma questão de sobrevivência!
As instituições que te afetam, como as empresas. Antes de sair querendo inovar, veja se o momento atual e a cultura organizacional pedem por isso.
A relação entre os diferentes “mundos” que você vive, como a sua família e o seu trabalho. Se seus pais apoiam sua carreira criativa, isso te dá mais força. Aqui estamos falando de ofícios que se estruturam em ofertar criatividade como serviço. Contudo, criatividade é uma característica que alimenta a solução de problemas em qualquer setor.
O seu ambiente mais próximo, como o seu time de trabalho ou a sua escola. Um líder que incentiva novas ideias e recompensa a criatividade faz toda a diferença. Mas um chefe que só critica e não te dá espaço pode te desmotivar.
E qual a moral da história?
Essa teoria mostra que a criatividade se expressa entre você, o que você faz e onde você está, ou seja, para ser mais criativo, não basta ter criatividade. É preciso que a tarefa te dê espaço e que o ambiente te motive e te apoie. Essa conjugação de fatores não precisa ser perfeita, simétrica, até porque a vida não é um caminho linear. Um pouco de espaço já resolve.