Será que é tendência porque está todo mundo comentando ou todo mundo está comentando porque é tendência?
Essas duas variáveis se retroalimentam. Nas redes, temos abas próprias para ranquear os termos mais comentados. Além disso, grupos sociais também “fabricam” tendências. Você nunca viu algum perfil falando “vamos subir essa ‘tag’?”
As tendências não são por acaso, numa revisão a voo livre, classifico-as em dois grupos:
- fatos de grande repercussão;
- mobilização de conceitos por um grupo social
O primeiro grupo é quando um acontecimento do mundo real se impõe como pauta no nosso dia a dia. Alguns exemplos: a indicação de Fernanda Torres e do filme “Ainda Estou Aqui”, ao Oscar 2025. Foi pauta única, na TV e nas redes. Outro exemplo é quando acontece alguma tragédia, como as enchentes no Rio Grande do Sul ou a queda do voo 2283, que saiu de Cascavel (PR) rumo a Guarulhos (SP).
É preciso ponderar que estou fazendo uma costura epistemológica, que não diminui a nossa reflexão, mas que alerta para um olhar mais detalhado dos termos. Na comunicação de massa, essas tendências pertencem a um fenômeno chamado “agendamento” — simplificando as coisas. Portanto, para compreender a partir de um crivo metodológico que dá conta de boa parte dessas variáveis, recomendo que vocês acessem o trabalho “The Agenda-Setting Function of Mass Media in The Public Opinion Quarterly” dos professores Maxwell Mccombs e Donald Shaw.
O segundo grupo, eu já adiantei no começo do texto, mas explico melhor: grupos sociais repercutem acontecimentos dos seus próprios interesses com tanta força discursiva que “furam a bolha”. Esse é um fenômeno mais recente, pois para acontecer, precisa de um mediador, relativamente acessível, que conecte as pessoas desses grupos sociais.
Que mediador seria?
Suponho que você pensou na internet, mas falo de algo mais específico e não menos amplo: as redes sociais. Volta naquela história de “subir uma tag no Twitter (atual X)”.
Explicado esses dois grupos, vamos falar da saturação das tendências e das pessoas que querem surfar uma onda que não é delas.
Por que todo mundo fala sempre das mesmas coisas?
Senso de pertencimento e busca do hype.
Sabe quando Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro? Ou quando foi indicada ao Oscar? Todo mundo postou. Era só abrir os stories do Instagram e ver as pessoas parabenizando, colocando trechos de Tapas & Beijos, cenas do filmes, memes etc. Esse é o movimento genuíno, foi um acontecimento singular, todo mundo queria se sentir parte daquela conquista, até quem ainda não havia visto o filme.
Eu conheço essa cara/ Essa fala, esse cheiro
Pneu furou, acenda o farol, acenda o farol
O que te lembra essas duas frases?
Eu gostaria que fosse Rita Lee e Tim Maia, respectivamente. Porém, admito que o TikTok e, depois, Instagram podem ocupar esse espaço de lembrança automática.
Você saberia citar em que tipo de vídeos essas músicas foram usadas?
No começo, a música da Rita (Chega Mais) foi utilizada para representar quando “sabemos o que a pessoa estava fazendo”. Já a do Tim Maia (Acenda o farol), foi colocada para sonorizar momentos “aproveitando a vida”.
Depois de viralizadas, ambas as músicas — na verdade o correto seria: “ambos os trechos das músicas” — foram colocadas nos mais diversos contextos, ainda que fora de contexto. Era foto com o crush, divulgação de serviços, foto do gato e por aí vai.
O que isso quer dizer?
Que as pessoas utilizam certo elemento (música, template, frase, assunto) porque veem outras pessoas também utilizando e percebem que isso está em alta. Isso retroalimenta o algoritmo e satura a tendência.
Sim, eu conheço essa, essa fala, esse cheiro. Já sei o que você está pensando.
Já me explico. Tomando Rita Lee como exemplo: você não precisa saber a música de cor, ter lido os três livros que ela publicou ou saber todos os nomes citados nas fichas técnicas dos seus álbuns. Eu quis justamente dar um exemplo brando, de algo totalmente inofensivo para chamar a atenção para quando isso toma temas mais complexos.
— E se no lugar da música da Rita Lee a gente tivesse falando de Inteligência Artificial?
— Que?
Isso mesmo, se em vez de falarmos da música dela ser postada fora de contexto, estivéssemos tratando dos posts que compartilham os “poderes da IA”, “Como [fazer tal coisa] utilizando a IA”, os “melhores prompts de IA para você usar hoje”, sem nenhum tipo de reflexão, apenas por ser um tema em alta. Seria diferente né?
Eu poderia ter construído essa história diretamente sobre assuntos mais suscetíveis, mas construí o raciocínio em cima de um exemplo mais tranquilo pra justamente não compararmos tendências distintas. Em nenhum momento podemos tomar como pressuposto surfar numa trend é errado.
A pergunta é: será que essa onda é nossa?
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O que fazer diante dessas situações?
Como criador de conteúdo, não é de hoje que sou contra aqueles tipos de perfis que só vão atrás de trends. Ainda assim, confesso que minha maior preocupação é com quem consome. A gente precisa ficar atento quando um creator só pensa em replicar tendências, principalmente para evitar alimentar o algoritmo, pois senão, ele vai entender que essa “estratégia” vale sempre a pena.
— Quer surfar a onda do outro?
— Comece comprando uma prancha e contratando algumas aulas.